Os resultados do Censo de 2022 sobre saneamento, divulgados em fevereiro de 2024, confirmam alguns quadros que já vinham sendo delineados nos levantamentos realizados pela PNAD e pelo SNIS e compilados pelo estudo conduzido pela AESBE, em 2022.
Houve avanços importantes no acesso populacional aos serviços nesse período de 12 anos, em especial com relação aos domicílios com solução considerada adequada de esgotamento sanitário. O Censo mostrou que 63% da população do Brasil morava em domicílios conectados à rede de coleta de esgoto em 2022. Esse índice era de 44% em 2000 e de 53% em 2010, representando um aumento de 19 pontos percentuais em 22 anos. Considerando quem vivia em domicílios com esgotamento por rede coletora ou fossa séptica, os valores foram de 59% em 2000, 65% em 2010 e 76% em 2022, ou seja um aumento de 17 pontos percentuais em 22 anos.
Vale lembrar que a ONU, em 2023, incluiu o Brasil entre os 3 países que avançaram significativamente nos serviços de saneamento, em particular no tratamento de esgotos, juntamente com Gana e Cingapura. A avaliação aponta decisões de investimento positivas para melhorar a qualidade da água e a construção de 900 novas estações de tratamento de esgotos desde 2013.
Quando se examinam as desigualdades de cobertura entre regiões e entre diferentes portes de município, fica claro o grande desafio que ainda existe nos pequenos municípios, e em especial, nas regiões Norte e Nordeste. Entre as 49 milhões de pessoas que ainda não são atendidas por sistemas adequados de esgotamento sanitário, 39 milhões se utilizavam de fossa rudimentar ou buraco e 4 milhões lançavam seus esgotos diretamente no rio, lago ou mar. Nos municípios com até 5.000 habitantes, apenas 29% deles vivia em domicílios com coleta de esgoto, porém esse número sobe gradualmente a cada classe de tamanho da população, até atingir 83% nos municípios com mais de 500 mil habitantes. O gráfico adiante mostra as diferenças regionais e os avanços que aconteceram a partir de 2010.
Em 2022, 97,8% da população tinham, no mínimo, um banheiro de uso exclusivo. Banheiros compartilhados por mais de um domicílio foram informados por 0,5% da população. Já 0,6% da população habitava domicílios sem banheiros, sanitários ou buracos para dejeções, sugerindo que há cerca de 1,4 milhões de pessoas ainda defecando a céu aberto. Apesar dos baixos percentuais, os números absolutos não são baixos e juntamente com o atendimento das pessoas que vivem em situação de rua e com a necessidade de saneamento nas esferas além do domicílio, incluindo banheiros e bebedouros públicos, há uma demanda que não pode ser negligenciada.
Um aspecto destacado pelo Censo 2022 é a disparidade entre grupos raciais. Entre os pretos e pardos, que compõem pouco mais da metade da população brasileira, o percentual de pessoas sem acesso adequado ao esgoto chega a alarmantes 69%. Enquanto isso, entre os brancos, esse número é de 30%. Os dados ainda apontam que a falta de um abastecimento adequado de água atingia 6,2 milhões de brasileiros em 2022. Novamente, a disparidade é evidente, com os pretos e pardos representando 72% da população sem acesso adequado à água, em comparação com os brancos, que correspondem a 24%.
Vale lembrar que nos Censos não são apurados os dados sobre os déficits de tratamento de esgotos, e parte significativa do esgoto coletado não é tratado. Prestadoras de serviços de água e esgotamento sanitário usualmente adiam os investimentos em tratamento de esgotos. Infelizmente predomina a ótica financeira, em prejuízo da saúde pública, e, em muitos estados, as prestadoras de serviço recebem o mesmo valor, quer coletem e tratem os esgotos ou façam apenas sua coleta e disposição dos esgotos brutos no ambiente. Com a privatização dos serviços, esse quadro pode piorar, se não houver uma ação contundente das agências reguladoras, o que não tem se verificado até então.
Em linhas gerais os dados levantados pelo Censo 2022 confirmam uma informação que vinha sendo apontada pelo ONDAS desde sua criação em 2018- os grandes déficits dos serviços de água e esgotamento sanitário estão concentrados em locais onde as pessoas são mais pobres e, portanto, com baixa capacidade de pagar tarifas elevadas. O grande desafio é impulsionar uma visão de atendimento aos direitos humanos na concretização desses serviços.
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